quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Poluição mata mais que Aids e trânsito juntos em São Paulo.

Publicada em 14/10/2008 às 19h17m. Por Fabiana Parajara, O Globo.

SÃO PAULO - A poluição já mata mais do que a Aids e o trânsito juntos na cidade de São Paulo. Paulo Saldiva, médico do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, afirma que uma única medida, a redução da liberação de enxofre pelo óleo diesel usado pelos veículos, pode evitar 150 mortes por ano - pouco menos que o número total de vítimas de Aids na cidade de São Paulo, que chegaram a 232 em 2007, por exemplo.
Segundo estudos do laboratório, as doenças provocadas pela poluição, que vão de problemas respiratórios a enfartos, causam cerca de 9 mortes por dia na capital paulista. Por ano, são cerca de 3,5 mil óbitos. Na capital, o trânsito causou em todo o ano de 2007, 1.352 mortes de acordo com dados da secretaria municipal de Saúde. Somados, no ano passado, a Aids e o trânsito mataram 1.624 pessoas na cidade.
Segundo estimativa do laboratório, a região metropolitana de São Paulo gasta por ano US$ 1,5 bilhão para tratar as doenças causadas pela poluição do ar. De acordo com o professor, os gastos levam em conta custos de internação e tratamento por doenças causadas ou agravadas pela poluição e também a redução de cerca de um ano e meio da expectativa de vida da população economicamente ativa.
- Os gastos com saúde por causa da poluição são enormes e temos de nos mobilizar para resolver a questão - afirmou Saldiva, em relação aos estudos feitos no Laboratório.
A poluição que mais preocupa na capital paulista é a produzida pela frota de mais de 6 milhões de veículos. O Parque do Ibirapuera, por exemplo, um dos poucos lugares destinados ao lazer, é campeão na concentração de ozônio, que faz mal à saúde e ocorre em dias de sol e pouco vento. O ozônio é responsável por problemas respiratórios e ainda por degradar tecidos e danificar plantas. Como outros poluentes, ele se forma a partir de gases liberados pelo escapamento dos carros.
Os veículos a diesel, que representam apenas 10% da frota nacional, são responsáveis por 62% das emissões de material particulado. Boa parte de toda essa sujeira circula pela cidade, já que caminhões pesados de todo o país cruzam São Paulo pelas Marginais Pinheiros e Tietê para chegar ao Porto de Santos ou alcançar rodovias. A cidade ainda não dispõe do Rodoanel completo - anel viário que interligará as estradas e evitará que veículos de carga transitem dentro da cidade. Para se ter uma idéia, os veículos a diesel, por estarem sempre em circulação, consomem 50% do total de combustíveis vendidos no país.
Segundo Saldiva, o material particulado é um dos mais prejudiciais para a saúde, já que acaba depositado nos alvéolos, a parte do pulmão responsável pelas trocas gasosas, provocando inflamações e outros distúrbios.
Briga por diesel mais limpo:
A partir de 2009, no entanto, a expectativa é que o diesel vendido no Brasil seja mais limpo, com a adoção do diesel S-50 (com 50 partículas de enxofre por milhão). Ele será obrigatório porque entra em vigor a Resolução 315/2002 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), a partir de 1º de janeiro. Até 2012, a meta no Ministério do Meio Ambiente é passar para o diesel S-10 (com 10 partículas por milhão de enxofre por milhão). Atualmente, o diesel vendido no Brasil pode emitir 500 partes de enxofre por milhão nas regiões metropolitanas e 2.000 partes de enxofre por milhão no interior - exatamente por conta da necessidade de se redução das emissões nos grandes centros urbanos.
Saldiva calcula que a mudança, na estimativa mais conservadora, servirá para reduzir 5% da emissão total de poluentes na região metropolitana, já que o enxofre reage com gases dando origem a outras substâncias tóxicas para o organismo. Daí a redução de 150 mortes por conta dos males causados pela poluição.
- É uma conta grosseira, porque ainda não temos idéia de como será a adoção do sistema. Se apenas os veículos novos serão obrigados a usar o combustível ou se todos eles - afirma Saldiva.
Quanto mais abrangente a medida, maior pode ser a redução da poluição. O consultor Gabriel Branco, especialista em meio ambiente, afirma que a lei poderá incentivar o uso de catalisadores nos veículos pesados, o que não ocorre hoje por conta da qualidade do diesel, que estraga o equipamento.
- Eles não usam o equipamento porque a qualidade do diesel acaba com a vida útil da peça - explica Branco.
Os dois participaram nesta segunda-feira de um seminário sobre poluição atmosférica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O resumo de todos os trabalhos apresentados durante o seminário serão enviados ao Ministério Público para que cobre a entrada em vigor da resolução 312/2002 do Conama, que encontra resistência das indústrias automotivas, da Petrobras e das transportadoras.
A Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a Petrobras e os sindicatos das transportadoras tentam adiar a adoção do diesel mais limpo. Em setembro, no entanto, o Ministério do Meio Ambiente mostrou, em reunião do Conama, que não pretende ceder. Tanto que veio com a proposta que antecipa para 2012 a utilização do óleo diesel com 10 partes por milhão (ppm), sem abrir mão da resolução que determina a adoção do diesel S-50 em janeiro em todo o país. Mas o lobby das indústrias pelo adiamento ainda continua.
Porém, independentemente da disputa em nível nacional, na capital paulista, uma resolução municipal determina que a adoção do diesel S-50 ocorra impreterivelmente em 1º de janeiro.
- Para evitar qualquer tipo de manobra, no sentido de dizer que não sabia da medida, enviamos uma carta oficial para Anfavea, para os sindicatos e para a Petrobras informando da determinação da adoção do diesel mais limpo para todos os veículos - disse o secretário, apresentando as cópias das cartas e das respostas das empresas. Os documentos também seriam encaminhados ao Ministério Público.

Fonte: http://oglobo.globo.com/sp/mat/2008/10/14/poluicao_mata_mais_que_aids_transito_juntos_em_sao_paulo-585945522.asp (último acesso em 14/10/08).

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