quinta-feira, 29 de abril de 2010

A Questão dos livros: passado, presente e futuro", uma coletânea de artigos do diretor da Biblioteca da Universidade Harvard chega ao Brasil

Robert Darnton, uma mãe para os livros

"A Questão dos livros: passado, presente e futuro", uma coletânea de artigos do diretor da Biblioteca da Universidade Harvard chega ao Brasil

Por Sérgio Lüdtke

ROBERT DARNTON
Diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard.



O livro é, de todos os meios de comunicação, o mais antigo e também o mais moderno. Muito antes do jornal, do radinho de pilha, do walk-man e do iPad, o livro já havia inventado a mobilidade. Enquanto o mundo se surpreende com a sucessão, em velocidade impressionante, com que surgem novos aparelhos ou novas mídias e plataformas de comunicação, o livro permanece. Somente agora, passados quase seis séculos desde o uso por Gutenberg dos tipos móveis, ele começa a enfrentar o desafio da mudança com a digitalização. Vários são os motivos que fazem com que o livro alcance essa perenidade, mas talvez o que melhor explique seja a autonomia: o livro é um ser único, é uma célula.
Robert Darnton é um dos guardiões do imenso tecido formado por essas células. Diretor da Biblioteca da Universidade Harvard e um dos principais responsáveis pelo projeto Gutenberg-e, que promove a digitalização de obras literárias para preservação e maior facilidade de acesso às obras, ele zela por eles como uma mãe cuida dos filhos. Um amor maternal que dedica a todos, não somente àqueles muitos que pariu. As angústias, medos e até esperanças sobre o futuro dos livros estão expressas - e impressas - em "A Questão dos livros: passado, presente e futuro", uma coletânea de artigos que Darnton está lançando no Brasil, em edição da Companhia das Letras.
O livro de Darnton é uma declaração de amor à palavra impressa, mesmo àquela impressa numa tela. Nesse conjunto de artigos - que, embora se divida em passado, presente e futuro -, Darnton não se prende à cronologia, a uma linearidade. Ele navega do iluminismo ao Google e deste a Gutenberg com facilidade e total controle do timão, enfrentando a calmaria e a tempestade, a vida na biblioteca e a internet, sem nunca abandonar o cuidado com o interesse pela leitura. Como poucos, Darnton sabe que um livro só é o livro quando lido. (A editora, no entanto, poderia ter preservado, para melhor referência, as datas de publicação dos artigos. Google tem 12 anos, o Twitter somente quatro. Há seis meses poucos sabiam do iPad e ninguém conhecia seu nome).
Como boa mãe, Darnton é cheio de medos e receios. O livro está repleto desses temores e a maior parte deles tem um endereço sabido: http://www.google.com/. Esse bicho-papão, que tem como lema "não faça o mal", poderá engolir a prole tão bem cuidada? Darnton acredita que sim. Ele conhece bem os processos de digitalização dos livros, é um entusiasta da disseminação do conhecimento, sonha o sonho dos iluministas e acompanhou de perto a gênese do acordo que viabilizou o Google Book Search. Foi aí que ele percebeu a preocupação única do Google com o negócio da digitalização e não com a preservação de um bem fundamental para a humanidade. É nessa url que mora o perigo. O Google Books digitalizou até o ano passado mais de 10 milhões de livros, dez vezes mais do que a produção anual de títulos em todo o mundo. Para Darnton, nenhuma outra empresa ou instituição, nem mesmo a Biblioteca do Congresso americano (que acaba de comprar os arquivos do Twitter), teria uma capacidade de produção comparável à do gigante da internet. E o gigantismo poderia levar ao monopólio, uma volta aos tempos pré-Gutenberg. As preocupações de Danrton fazem sentido. Porém, a internet já é também a biblioteca do nosso tempo. E ele sabe que nela não se pode passar a chave no fim do expediente. Controlar é difícil, quando não impossível. O mal, no entanto, vem da mão do homem e hoje as próprias bibliotecas se desfazem de arquivos físicos de jornais depois da digitalização dos acervos.
A essência humana está tão presente no livro de Darnton quanto a paixão e a devoção maternal pelos livros. As histórias que compila são um mergulho na forma como a humanidade se comunica há muito tempo. E esse olhar é imprescindível para entender as razões pelas quais a internet consegue ser o que é, e em tão pouco tempo. A tecnologia não esconde a humanidade que há por trás de tudo. A leitura de um artigo como Blogging, Now and Then, que Darnton publicou na The New York Review of Books (que não está no livro, mas acessível pela web), exemplifica tudo isso e serve como uma degustação do que será a leitora do livro. O texto mostra como a essência dos blogs já estava presente em publicações do século 18. A internet já estava lá, só não havia a tecnologia. O livro estará no futuro, não importa a tecnologia. Ao louvar o livro, Darnton ajuda a perdoar a internet.





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